Na manhã da última segunda (11), 62 organizações da sociedade civil lançaram em conjunto uma Carta Aberta em protesto diante do aumento da violência contra a população negra nos territórios urbanos e rurais do estado. A iniciativa, que reúne desde entidades de defesa dos direitos humanos a igrejas e organizações religiosas, busca pressionar as autoridades para tomar medidas concretas diante do agravamento da repressão policial na Bahia e também do descaso do Estado na proteção das comunidades do campo, como acampamentos, assentamentos, áreas indígenas, quilombolas e de fundo e fecho de pasto.
No último domingo (10), Dia Internacional dos Direitos Humanos, os manifestantes estenderam uma faixa entre dois barcos que percorreram o Porto da Barra em direção ao Farol da Barra, um dos principais pontos turísticos de Salvador, dando destaque à denúncia do manifesto com a frase: “A Bahia é o estado que mais mata o povo negro. #ViverÉDireito”. Ao longo do mês de dezembro, outras ações de denúncia também serão realizadas pela capital baiana.
Leia o documento na íntegra:
CARTA À SOCIEDADE CIVIL E AO ESTADO BAIANO
Os
territórios negros centrais ou periféricos da cidade de Salvador e várias
cidades do interior baiano vêm registrando a intensificação do confronto
armado, que envolve a disputa de poder e território entre facções criminosas
rivais e a atuação das forças repressivas do Estado.
À
histórica desigualdade social baiana e brasileira, que cresce neste estágio da
sociedade racista, patriarcal e capitalista neoliberal, acresce também cada vez
mais a violência sob o impacto da militarização pesada dos grupos criminosos
locais, em aliança com as facções do eixo sudestino, importando um modo de agir
caracterizado pela desocupação forçada de imóveis e até usando moradores como
reféns.
Sabe-se
o quão desafiador é o enfrentamento dessa problemática, mas não se pode
esvaziar o debate e naturalizar a ideia de que o enfrentamento deva passar
apenas pela esfera de uma repressão estatal a esses territórios e comunidades.
O que se nota é um modelo operativo com ações características de uma guerra
regular, que gera pânico e mortes nas comunidades negras.
A
manutenção dessa guerra não se restringe ao modelo de segurança pública
adotado, mas sim ao conjunto de políticas genocidas que vão desde a eliminação
física dos corpos e a desagregação dos territórios negros pela negação do
direito à moradia digna, à saúde, à educação, ao transporte público de
qualidade, ao trabalho e renda dentre outros direitos.
Assim,
a alegada razão para o aumento da violência nesses bairros tem sido o combate à
criminalidade, a militarização das comunidades pelas facções e, de modo mais
geral, a chamada “guerra às drogas” e ao narcotráfico. Se as drogas estão em
todos os espaços, inclusive nos bairros de classe média e alta, porque somente
os territórios negros são os alvos dessas operações repressivas, que somaram
380 mortes, entre janeiro e novembro de 2023?
O
aumento da repressão não é uma exclusividade dos territórios urbanos. Nas
comunidades rurais, a violência se intensifica com a incidência das milícias
rurais e da pistolagem, principalmente nos territórios tradicionais
(quilombolas, fundo e fecho de pasto, indígenas, pesqueiras/marisqueiras etc.),
para onde avança a fronteira agrícola.
Nesses espaços, em geral, a violência ocorre em virtude da omissão do
Estado em processos de regularização fundiária, inclusive onde há fortes
indícios de grilagem de terras devolutas. Assim prosseguem as mortes e
violações de direitos, que afetam famílias vivendo há gerações nesses
territórios, cada vez mais cobiçados pelo agronegócio, mineração, especulação
imobiliária e grandes empreendimentos.
Essa
política de segurança, ineficaz e ineficiente, não reduz os índices de
criminalidade e a insegurança da população só aumenta. Os resultados têm sido
mais confrontos armados com perdas de vidas negras, prejuízos à economia dos
bairros populares, adoecimento psíquico, desespero e pânico para a comunidade,
principalmente as mães que perderam ou que temem perder os seus filhos.
Segundo
o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023), a Bahia ocupou o primeiro
lugar no ranking de letalidade policial em 2022, respondendo por 22,77% da
letalidade das ocorrências nacionais, quando apenas uma vítima das 299 pessoas
mortas pela polícia era branca, conforme
o estudo (“Pele Alvo: a cor que a polícia apaga”, 2022). Até quando o racismo
estará presente nas práticas de “segurança pública”?
O
Estado brasileiro não pode apostar na violência como estratégia de segurança
pública, e negligenciar as demandas populares e a necessidade de reparação
histórica aos povos. A universalização da educação pública de qualidade; o
reconhecimento, demarcação e regularização dos territórios camponeses,
indígenas, quilombolas e extrativistas; a presença efetiva com unidades de
saúde e atendimento psicossocial adequados às necessidades de cada grupo; a
capacitação técnico-profissional e estímulos creditícios amplos à economia
social comunitária; equipamentos recreativos e culturais, com apoio à produção
e valorização das iniciativas locais, dentre outras políticas públicas são
condições fundamentais para possibilitar a inserção desses territórios e povos
aos espaços de cidadania.
Neste
final de ano, quando vivenciamos de maneira mais intensa a solidariedade,
convocamos a sociedade a compreender a urgência e a necessidade de apoiar esta
pauta. Para além da responsabilização do Estado, como podemos nos solidarizar
com as famílias e comunidades que sofrem as consequências dessa guerra?
Salvador, 11 de dezembro de 2023
- Associação
dos/as Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR)
- Ação
Social Arquidiocesana (ASA)
- ABJD
- Agência
10envolvimento
- ANAJUDH-LGBT
- Articulação
dos Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador
- Articulação
Pacari Raizeiras do Cerrado
- Articulação
para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil (AMDH)
- ASCOMBAVE
- Associação
de Trabalhadores de Base - Bahia (ATB Bahia)
- Campanha
Nacional em Defesa do Cerrado
- Cáritas
Brasileira Regional Nordeste 3
- CDDH
Dom Tomás Balduíno
- Centro
Alternativo de Cultura (CAC)
- Centro
Burnier
- Centro
de Estudos Bíblicos (CEBI)
- Centro
de Estudos e Ação Social (CEAS)
- Centro
de Estudos Victor Meyer (CVM)
- Centro
de Promoção de Agentes de Transformação (CEPAT)
- Coletivo
Buranhém
- Coletivo
de Familiares de Pessoas Privadas da Liberdade Bahia
- Coletivo
Guardiões da APA Bacia do Cobre/São Bartolomeu
- Coletivo
de Mulheres, Políticas Públicas e Sociedade - MUPPS
- Comissão
Pastoral da Terra (CPT)
- Comunidades
Eclesiais de Base (CEBS)
- Conselho
Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs Cristãs (CEBIC)
- Coordenadoria
Ecumênica de Serviço (CESE)
- Defensoria
Regional de Direitos Humanos da Bahia
- Federação
Regional dos Urbanitários do Nordeste (FRUNE)
- Fórum
Permanente de Itapuã
- Fraternidade
Cristã de Pessoas com Deficiência
- Frente
Estadual pelo Desencarceramento Bahia
- Gabinete
de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP)
- Grupo
GeografAR - Universidade Federal da Bahia (UFBA)
- Grupo
Tortura Nunca Mais - Bahia
- Igreja
Batista Nazareth
- Instituição
Beneficente Conceição Macedo (IBCM)
- Instituto
Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU)
- Instituto
de Geociências - Universidade Federal da Bahia (UFBA)
- Instituto
de Estudos Socioeconômicos (INESC)
- Instituto
de Saúde Coletiva (ISC-UFBA)
- Juspopuli
Escritório de Direitos Humanos
- Juventude
Ativista de Cajazeiras (JACA)
- ManifestA
ColetivA
- Movimento
dos Pequenos Agricultores (MPA)
- Movimento
dos Trabalhadores Assentados Acampados e Quilombolas (CETA)
- Movimento
Luta pela Terra
- Movimento
Nacional de Direitos Humanos (MNDH) - Brasil
- Núcleo
de Pesquisa, Mídias e Arte (NUPOMAR)
- Odara
Instituto da Mulher Negra
- Observatório
Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA)
- Observatório
Rio Pardo Vivo e Corrente
- OPIAJBAM
- Paróquia
Anglicana do Bom Pastor
- Pastoral
Operária Salvador
- Plataforma
de Direitos Humanos - Dhesca Brasil
- Presbitério
do Salvador da Igreja Presbiteriana Unida
- Rede
das Escolas Família Agrícola Integradas do Semiárido (REFAISA)
- Serviço
Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (SARES)
- Serviço
de Apoio Jurídico da Universidade Federal da Bahia (SAJU)
- TRAMA
- Unidade
Força Feminina - Rede Oblata Brasil
- Quilombo
do Orubu
18. A candidatura contribui para o tratamento prioritário
ou diferenciado às questões de gênero, comunidade LGBTQIAP+, sobretudo a
inclusão de mulheres como protagonistas da iniciativa cultural e a participação
na coalizão histórica e inédita Construção Nacional da Cultura Hip-Hop? Se sim,
de que forma?